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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Vampiros são bem burros (Ou a química do protetor solar)


Fui me preparar para escrever este post sobre protetores solares, e imaginei que a limitação dos vampiros de exposição ao Sol poderia ser um boa desculpa para falar de protetores solares. De início fui procurar algo de interessante sobre vampiros e achei alguns documentos interessantes na Internet, desde o site da Agência Federal de Vampiros e Zumbis a um artigo da Annals of Improbable Research (a revista que promove o Prêmio IgNobel), o “The Chemical and Physical Properties of Vampires in the Gaseous State. O primeiro veste a bobagem sobre vampiros com roupagem científica (se podemos chamar de ciência...). O segundo usa a ciência para “viajar” em alguns dos mitos que cercam os vampiros. O segundo foi bem mais legal de ler e certamente é muito mais interessante para alunos de ensino médio e estudantes universitários que queiram usar os conhecimentos aprendidos sobre gases em um contexto divertido.

Feita a recomendação de leitura acima, vamos falar de algumas coisas interessantes sobre a relação que poderia existir entre vampiros e protetores solares. Sabemos que vampiros têm aversão à luz solar e nos filmes a reação à luz do Sol se divide em duas categorias principais: na primeira, mais comum, a dos vampiros burros, que explodem, pegam fogo ou brilham e viram cinzas, e na segunda, a dos vampiros malandros, que usam anéis ou colares místicos que “blindam” contra o Sol (historinha prá boi dormir...). Para entender porque há roteiristas que insistem em colocar os vampiros em filmes para morrer queimados, vamos tentar entender melhor como o homem se protege do Sol.

Todos que já tiveram a experiência de torrar um pouco ao Sol sem proteção, especialmente os branquelos, sabem que isso não dá certo. Claro que isso não é de agora e até os homens da caverna branquelos tinham seus momentos de vermelhidão. Provavelmente, a primeira coisa que inventaram foi a sombra portátil individual, hoje conhecida como chapéu ou boné. Assim eles podiam levar a sombra por onde andassem sem se expor diretamente ao Sol. Claro que a sombra portátil poderia cair, ser roubada ou voar durante a corrida atrás de comidas que se mexiam (até o advento da agricultura, o homem sempre teve que pastar (ops!) atrás de outros animais para comer), e aí os homens ficavam sem a proteção da sombra portátil. Por observação de outros animais como hipopótamos, elefantes ou rinocerontes (ou os equivalentes da época), sempre se soube que a lama serve para refrescar, e após seca, para proteção contra o Sol.

Inspirados por esta esperteza animal, e talvez por uma necessidade reprimida de se enfeitar, o homem inventou as tinturas de guerra e de caça, permitindo proteção sem as limitações impostas pelas sombras portáteis. Estas tinturas são muito parecidas com o que se chama em inglês de Sun block (bloqueador solar), que é uma das modalidades de proteção que temos hoje, que chamamos de proteção física. Funciona como barreira física à luz do Sol, que acaba refletida após incidir sobre a lama de antigamente ou sobre a dispersão de óxido de zinco ou de titânio que se usa hoje em dia. Apesar desta tecnologia estar disponível há muito tempo, os vampiros, que são muito burros, não betumam as partes expostas para sair de dia e chupar uns pescoços por aí. Talvez porque os vampiros sejam muito vaidosos e esse tipo de proteção diminua o valor estético do usuário. Abaixo , por exemplo, podemos ver Brad Pitt em Cannes, usando este tipo de proteção ao Sol...

Brad Pitt, protegido contra a exposição ao Sol, acenando para os fãs

Bom, apesar de deficiente do ponto de vista estético, esta foi a proteção mais usada pelas pessoas que queriam ficar expostas ao Sol, até que um químico austríaco, Franz Greiter, após escalar uma montanha e ganhar um vermelhão na cara, inventar uma nova tecnologia: o protetor solar. Ele sabia que a luz do Sol é uma mistura de vários tipos de luz, com diferentes comprimentos de onda, ou seja, tem infra-vermelho (que esquenta), tem luz visível (que a gente vê...) e tem ultra-violeta (que faz mal!). Aí ele teve a sacada de misturar uma substância que absorvesse a parte da luz do Sol que machuca com um creme ou óleo que permitisse espalhar essa substância sobre a pele: estava criado, em 1938, o primeiro protetor solar com outra modalidade de proteção, a proteção química!

Duas fotografias de um homem usando protetor solar (FPS 50) na metade esquerda do rosto. À esquerda ele está sob luz visível e à direita ele está sob luz ultravioleta. O protetor solar no lado esquerdo do rosto absorve radiação ultravioleta, mostrando a ação do filtro solar

A substância que ele usou, o ácido para-aminobenzóico (PABA), absorve parte do ultra-violeta, mas permite que a luz na região do visível e do infravermelho passem, sem dar a bandeira que a proteção física proporciona. O limite desta técnica é que o PABA só absorve parte da região do ultravioleta, mas, pelo menos, é a parte mais perigosa.

Agora vamos fazer um exercício de raciocínio sobre a relação dos vampiros com a luz do Sol: qualquer vela ou lâmpada emite luz no visível e qualquer pessoa ou fonte de calor emite radiação no infravermelho (por isso que nos filmes de guerra moderna, sempre tem alguma camera de visão noturna que capta o infravermelho das pessoas), e vampiros não dão chilique perto de velas ou pessoas... Ora, o problema então só pode ser o ultravioleta!!!! Alguém pode me explicar porque os vampiros não podem usar protetor solar???? O creminho colorido pode ser feio, mas o protetor solar é transparente!!!!! Podemos pensar que o ácido para-aminobenzóico só bloqueia parte da radiação ultravioleta, mas já existem misturas com outras substâncias que absorvem o resto da região do ultravioleta para fazer protetores solares mais eficientes, que absorvem toda a radiação ultravioleta que escapou de ser absorvida pela camada de ozônio (aliás, se não fosse a camada de ozônio, nem nós que não somos vampiros escaparíamos! É a camada de ozônio que absorve quase que completamente a parte mais perigosa do ultravioleta que o Sol emite).

Ácido para-aminobenzóico

Outra coisa interessante sobre protetores solares é o modo como se classifica o fator de proteção solar de cada um, o tal do FPS que vem nas embalagens. Quando usamos um protetor com FPS 20, quer dizer que podemos ficar expostos ao Sol 20 vezes mais que sem protetor solar antes de ter um eritema (o vermelhão causado pela exposição ao Sol). Se demora 20 minutos para ficar com cor de camarão sem usar protetor solar de FPS 20, demora 400 minutos para ficar com cor de camarão usando protetor solar de FPS 20. Estes valores são obtidos em testes com pessoas ou com uso de equipamentos que medem a radiação que passa pelo protetor solar. Porém, é importante saber que para determinar o FPS do protetor, a norma pede para espalhar 2 mg de protetor por centímetro quadrado de pele. Estudos mostram que o usuário descuidado não espalha um terço disso, gerando uma falsa sensação de proteção. Para evitar esse problema, já há algumas invenções para nos alertar quando estamos muito expostos à luz do Sol. Inventaram até um bikini que muda de cor quando exposto ao Sol por tempo maior que o saudável.

Uma tendência em pesquisas nessa área é estudar novas substâncias para uso em protetores solares que absorvam cada vez maior extensão da região do ultravioleta, oferecendo maior proteção. Não é fácil achar uma substância para atuar em protetores solares: ela deve ser estável  quando exposta ao Sol, deve absorver a luz na região do ultravioleta e liberar a energia absorvida em uma forma inofensiva como infravermelho ou luz visível, não pode ser tóxica e deve ser transparente. Alguns pesquisadores buscam novas substâncias na natureza para servir como protetores solares e aí o Brasil tem vantagem pela grande biodiversidade à disposição e experiência no trabalho com produtos naturais. Vampiros tem se mostrado tão burros, que se algum quiser virar cientista e for trabalhar nesta área, é capaz de querer extrair alguma substância fotoprotetora do alho! Seria como algum lobisomem resolver usar um piercing de prata...

Todas as imagens deste post foram retiradas do Wikimedia Commons.


Leitura feita para a elaboração desse texto


14 comentários:

  1. hej capi! nao da pra acreditar que voce todo abestalhado escreve tao bonitinho e direitinho! hihi... legal seu blog capi! vou indicar pros professores e alunos, mas continua escrevendo!

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    1. Oi Sonia!!! Que legal que vc gostou, professora de redação tem autoridade!!! :)
      Vou ficar firme e forte na postagem, vamos ver se esse blog vinga!
      Saudadona de você!

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  2. capi seria legal vc tirar esta obrigacao de termos que digitar esses codigos chattissimos pra mandar os coments pois assusta comentador preguicoso!

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    1. Sonia, eu tentei mas ainda não consegui. Mas vou tirar! Valeu a dica!

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  3. Oi querido! Lembrar que os filtros solares mais eficazes hoje são uma mistura de filtros "físico" (substâncias que refletem a luz - Dióxido de titânio é um dos mais usados) e de filtros "químicos" (substâncias que absorvem a luz e a transformam em energias mais suaves ao corpo - PABA, Octocrileno, benzofenonas, e outros). Coloquei entre parenteses pois é uma denominação mercadológica, pelo tipo de proteção que oferecem. O melhor seria filtros inorgânicos e orgânicos. Beijo

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    1. Ei Capi, legal! Lembrei que o meu trabalho de QG 80? foi sobre protetores solares e sua eficiência. Fizemos isso com um espectrofotômetro e tivemos que usar cubeta de quartzo, bem mais cara que as de vidro. Por que? O vidro não permite a passagem de boa parte do UV (principalmente UV-B). Ou seja, o vampiro pode abrir as persianas e olhar o dia ensolarado... Abraço.

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    2. Boa! Mais um furo da mitologia sobre vampiros! :)
      Um jeito de enganar os vampiros no "mundo real" seria trocar a janela do seu quarto por uma de quartzo! Mas ia custar caro... :)

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  4. O sujeito que está na primeira foto não é o Brad Pitt e sim Marilin Manson

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  5. Oi Capi,

    Bem oportuna a citação de hipopótamos no texto sobre filtro solar uma vez que esses animais são um dos poucos na natureza que produzem o seu próprio filtro solar. A pele deles é sensível e pode sofrer pela exposição ao sol. Entretanto, eles excretam uma substância viscosa de cor avermelhada que as vezes recebe o nome de "suor de sangue". Tal substância tem funções antibacterianas e também de proteção da pele dos delicados animaizinhos.

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    1. Fala Bahiano! Que informação interessante! Nem sabia disso quando citei os hipopótamos! Agregou bastante a informação. Porque será que o hipopótamo levou essa habilidade na escala evolutiva?

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  6. Sei lá Capi. A maior parte da evolução é dada por mutações ao acaso que acabam por gerar vantagens competitivas que a seleção natural torna perenes. Já as mutações que não se traduzem em vantagem competitivas são eliminadas ou, pelo menos, não incentivadas.

    Olhando de trás pra frente nós acabamos por pensar que há um motivo para isso ou para aquilo. Na verdade, acho que deve ser por causa da nossa forma de tentar sempre encontrar as causas para os fenômenos naturais.

    Mesmo assim, se me permite uma especulação, lá vai:

    Hipopótamos são gordos e pesados (embora possam ser muito ágeis alcançando até 30Km/hora numa corrida). Logo, se sentem mais confortáveis na água, onde o seu peso é reduzido. Dentro d'água, e no ambiente em que o bicho vive não há muitos objetos que possam proporcionar sombra. Logo, só restava aos hipopótamos duas opções: sintetizar um protetor solar ou fazer bonés gigantes. Como as patas dos hipopótamos tem dedos curtos e grossos, e especialmente pela falta do dedo polegar opositor, ia dar um trabalhão pra trançar palha e fazer um mega boné! Assim, os bichos preguiçosos, optaram pela síntese do protetor solar.

    Faz sentido não?

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  7. O autor fez tanta questão de apontar a burrice dos vampiros por não usarem protetor solar, mas esqueceu que a ação do sol sob eles não é a mesma nos humanos, além de muitas vezes pior. Não lembrou disso nem ao mencionar o fato de que a classificação dos protetores é feita com base em testes com humanos, não em vampiros.

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  8. A figura do ácido p-aminobenzoico esta errada! A estrutura não é aquela!

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