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sábado, 28 de janeiro de 2012

Falsificação de mel e o truque prá se salvar uma sopa


Acabei de assistir o jornal regional aqui de Sorocaba que transmitia uma matéria sobre a região de Itupeva, falando sobre as atrações turísticas de lá, inclusive a produção de mel. Aproveitaram para falar sobre falsificação de mel e aprendi uma coisa que não sabia: para testar se o mel está adulterado usa-se iodo em um teste para verificar presença de amido. Este teste é bastante comum na graduação em química e em brinquedos de divulgação científica. Lembro que quando era criança eu tinha um laboratório infantil com um reagente que fazia a aguinha da batata ficar azul e é justamente essa reação que identifica a falsificação. Porém, cabe um comentário, se você resolver testar adulteração de mel com o iodo sólido que você encontra à venda na farmácia, você não vai conseguir identificar nada. Isso porque não é o iodo que reage com a amilose (componente do amido, lembra?) e sim o triiodeto. Além disso, o iodo não é solúvel em água, então ele não vai se misturar ao mel adulterado. Para dar certo, você tem que usar a tintura de iodo, que é uma solução em álcool de iodo e um sal de iodo, gerando o triiodeto.


O amido é usado na falsificação de mel porque quando ele solubiliza em água, a solução fica muito viscosa, como o mel. Essa solubilização ocorre a temperaturas entre 60 e 80 graus, dependendo da origem do amido (batata, trigo, mandioca, etc...), pois é acima dessa temperatura que a água tem energia para penetrar nos grãos de amido (olha a foto ao lado alguns grãos de amido de batata) e permitir a sua solubilização em água. Esse processo é irreversível, ou seja, depois que a solução se esfria, o amido continua solúvel em água. Essa malandragem que os malandros usam para adulterar o mel, tem gente que usa na cozinha quando uma sopa fica rala. Basta jogar um pouco de farinha ou de maizena (preferencialmente) na sopa fervendo, que a sopa engrossa, ou seja, fica mais viscosa. O certo é a sopa ficar encorpada pelo uso de um bom caldo feito em casa ou pela liberação do amido de batata, cenoura e outros ingredientes que acompanham a sopa, mas se você precisar dar esse golpe do amido na sua sopa, use uma peneira para distribuir o amido pela sopa em agitação, porque senão formam-se uns grumos de farinha e seu golpe pode ser descoberto... :)

Um site com experimento de iodo com amido você encontra no Ponto Ciência, um excelente portal sobre experimentos químicos em ciência com muita coisa interessante para ver.

Todas as fotos deste post foram retiradas do Wikimedia Commons.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

São Paulo Fashion Week 2012 e a conservação de comida


Ontem estava lendo o jornal Estado de S. Paulo e vi uma foto que me chamou a atenção, era de um modelo do desfile do estilista João Pimenta, que vestia uma máscara que já tinha visto antes e que tem tudo a ver com química. No texto do jornal dizia que o estilista havia se inspirado nos séculos XVII e XIX. 


Acabei descobrindo a seguinte declaração do estilista: “A minha coleção é inspirada na Steampunk, um subgênero da ficção científica que começou na literatura, passou pela pintura e, agora, estamos brincando com o conceito na moda. É tudo inspirado no século XIX, usei as saias longas para homens e as máscaras com bicos, que são inspiradas do Doctor Plague, que usava máscara para cuidar de leprosos”

Bom, Doctor Plague, ou mais frequente Plague Doctor, era o médico equipado com a roupa para atender os doentes atingidos por graves doenças como a lepra e a peste negra, sem ser contaminado. Abaixo à esquerda uma foto de exposição do museu dinamarquês Århus Stenodireita e à direita um desenho do Plague Doctor.


Eu aprendi sobre esta máscara quando orientava uma aluna de iniciação científica na UENF, a Anne Morais, que trabalhava com efeitos de especiarias na conservação dos alimentos. Pesquisando sobre usos das especiarias, descobrimos que elas haviam sido usados na época da peste negra para ocultar, na verdade se sobrepor, ao forte odor dos mortos e contaminados pela peste negra. A crença da época é de que as doenças poderiam também ser propagadas pelo mau cheiro (teoria da infecção pelo miasma). Como, por motivos óbvios, o nariz dos Plague Doctors não podia ser vedado, o bico permitia a respiração sem a percepção do mau cheiro por ser preenchido com especiarias de cheiro forte que pudessem se sobrepor ao forte odor característico dos doentes e dos corpos em putrefação. E dava certo, pois evitando os odores, praticamente não havia contato com os fluidos excretados pelos doentes, verdadeiro veículo de contaminação da peste negra.

E porque as especiarias possuem este odor forte? É por causa dos chamados óleos essenciais, que são os componentes das especiarias que evaporam com facilidade (chamamos a isso de volatilidade, portanto dizemos que óleos essenciais são voláteis), espalhando seu cheiro onde estejam. Todos sabemos que a presença de alguns cravos ou noz-moscada ralada na fervura de um copinho de leite , a aspersão de canela em pó sobre o arroz doce ou algumas folhinhas de orégano sobre uma pizza alteram completamente o sabor e o cheiro que sentimos nestas comidas. E o fato dos óleos essenciais serem voláteis, ou seja, evaporarem com facilidade, é o que faz os bons chefs de cozinha exigirem que se moa os temperos no momento da elaboração de um prato. Quanto maior o tempo entre a moagem de uma especiaria e seu uso, maior é a perda de espécies que contribuem com o sabor e cheiro. Já ouvi também que deve-se moer sal grosso na hora pelo mesmo motivo, o que é bastante discutível (mas falaremos sobre isso no post que ainda virá sobre o sal de cozinha).

Além de influenciar tremendamente no sabor e odor, as especiarias tem uma outra função que já foi muito importante: conservar alimentos! Antes do advento da geladeira, conservar alimentos era bem mais difícil que nos dias de hoje, o que levava a algumas estratégias como a salga, a defumação, a desidratação, o armazenamento em cavernas ou em porões (mais frios que o ambiente externo em alguns graus, o confit (um exemplo é o famoso porco na lata) e o uso de especiarias. Na verdade, suspeita-se que inicialmente as especiarias foram usadas para mascarar o sabor da carne em início de putrefação e com esta prática foram sendo selecionadas as especiarias com propriedades de conservação, como o cravo, a canela e a pimenta, entre outras.

O trabalho da Anne foi elaborar experimentos para o ensino médio com o contexto do uso das especiaias na conservação de alimentos. Fizemos vários experimentos usando arroz-doce cozido com ou sem especiarias, colocando ou não canela em pó sobre o arroz-doce e comparando a canela em pó recém moída com a canela em pó comercial vencida (em minha época de solteiro, era muito fácil ter condimentos, alimentos e remédios vencidos em casa). Após o preparo, o arroz-doce era acondicionado em plásticos com tampa e deixados à temperatura ambiente para estragar. O arroz doce sem especiarias já apresentava fungos em dois dias enquanto algumas amostras de arroz-doce cozidos com especiarias chegaram a mais de uma semana sem apresentar microorganismos visíveis a olho nu. Claro que a aparição de fungos é uma ferramenta simples de medida, mas falha, uma vez que pode haver crescimento de microorganismos que não sejam visíveis mas sejam maléficos, por isso não se pode abrir o plástico e descartar o material com fervura em panela de pressão. Abaixo está o resultado de comparação entre o arroz-doce cozido com a canela recém-moída e com a canela vencida, após 4 dias.



Nós mandamos todos os resultados destes experimentos para uma revista de ensino de química e assim que estiver publicado eu posto os demais resultados aqui.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Aventuras de um pai nerd 1: Mamadeiras, bebês e bisfenóis


Nesse primeiro post resolvi falar de uma coisa que tem permeado as compras para minha filha recém-nascida: o BPA. Ao comprar mamadeira e chupeta prá Lia eu encontrei a denominação “BPA free” (livre de BPA) e a atendente indicou que era importante escolher esses. Bom, acreditei, comprei as tais, e fui pesquisar o problema do BPA.

Antes de tudo, uma introduçãozinha: BPA é o bisfenol-A e o P da sigla vem do inglês bisphenol-A. Este composto é parte integrante do policarbonato e das resinas epoxi e o problema é que sem o BPA a indústria tem muitas dificuldades de chegar a um produto final com as mesmas características, apesar de algumas tentativas, como o copoliéster Tritan, que ainda devem conquistar mercado (e serem avaliados quanto à sua segurança também...).

Importante lembrar que dificilmente nos livraremos do BPA no nosso cotidiano atual, pois ele está presente nos alimentos enlatados (a resina que cobre a parte interna das latas para evitar contato do alimento com o metal), em equipamentos médicos para diálise, no CD que você escuta, no DVD que você assiste e no celular que você usa como máquina fotográfica, navegador de Internet e até para falar com outras pessoas.

Na literatura científica alguns estudos foram feitos e ainda há polêmica sobre os reais efeitos da quantidade do bisfenol liberado pelas garrafinhas de policarbonato nos seres humanos. O limite europeu para a migração de BPA a partir de embalagens ou recipientes como a mamadeira é de 600 ppb (“ppb” quer dizer partes por bilhão, ou seja, 600 ppb significa, por exemplo, 600 gramas em um bilhão de gramas, o mesmo que 600 gramas em mil toneladas). Encontrei alguns trabalhos da área de química e de materiais poliméricos analisando a migração do BPA a partir das mamadeiras e os resultados foram muito semelhantes entre si: apesar dos valores de bisfenol-A residual nas garrafinhas chegar a até 3000 ppb, o nível de BPA que é liberado para o alimento é muito abaixo do limite estabelecido. Ou seja, há muito BPA livre nas mamadeiras, mas ele migra muito pouco para o líquido (se você quiser ler os textos em inglês para se aprofundar, atente que “BPA free” quer dizer “livre de BPA” e “free BPA” quer dizer “BPA livre”, ou seja, livre para migrar para fora da mamadeira).

Apesar destes resultados, de viés químico, há outros estudos da área de saúde que questionam o limite de 600 ppb, com dois argumentos principais:
- há efeitos no nosso corpo que podem ocorrer em altas e em baixas concentrações, sem haver efeito em concentrações intermediárias. Para quem se interessar pela questão da concentração das substâncias e seus efeitos, o fenômeno se chama hormese, hormesis em inglês, e também explica fenômenos nos quais há até efeitos benéficos em baixas doses de substâncias tóxicas, que não é o caso do BPA, que pode ser maléfico nestas situações.
- animais, e não humanos, são usados para determinar os níveis mínimos aceitáveis na concentração de BPA, portanto haveria discrepâncias nos resultados pela sua característica de influenciar nos processos hormonais que são peculiares.

É por causa destes estudos que o BPA foi banido das mamadeiras em alguns países, na dúvida fica o dado de que a diferença entre bebês de até 3 meses que amamentam no peito e bebês que são obrigados a mamar em mamadeiras de policarbonato é bastante significativo: 0,2 microgramas por quilo de bebê amamentado no peito contra 11 para os bebês alimentados com leite em mamadeira de policarbonato. Como ainda paira a dúvida dos efeitos do BPA e os bebês são bastante expostos a esta substância, alguns países adotam o “better safe than sorry”, ou seja, melhor prevenir que remediar...

Se você é adepto deste lema tem algumas coisas que você pode fazer para evitar o BPA. A primeira delas é olhar na mamadeira aqueles símbolos de reciclagem (um número  cercado por três em forma de triângulo) que servem para identificar o material usado (olhe neste, neste ou neste site). Se for o símbolo com o número 3 (PVC) ou 7 (outros), pode haver uso de bisfenol. Se não houver símbolo nenhum, tenha cuidado, pois se uma empresa não respeita a norma que obriga a identificação do material, que é de fácil verificação, quem garante que ela respeite as regras básicas de higiene e segurança necessárias para fazer a mamadeira? Outras dicas eu peguei entre as que estão no site do Department of Health and Human Services dos Estados Unidos:
  • amamente por no mínimo 12 meses (quanto menos contato com a mamadeira e quanto mais contato com o peito, melhor),
  • descarte mamadeiras com arranhões, pois elas liberam mais BPA (não está muito claro para mim porque os arranhões ajudariam a liberar o BPA residual da mamadeira, mas se eles recomendam...),
  • não colocar a mamadeira em contato com líquidos quentes (faz todo sentido, uma vez que com a maior temperatura há maior movimento de qualquer substância dentro da massa polimérica, aumentando a velocidade de migração do BPA de dentro prá fora). Esta recomendação é um tanto difícil porque costuma-se colocar a água fervendo e o leite em pó à mamadeira para preparar a mistura, mas basta fazer isto em um frasco de vidro esterilizado e esperar resfriar antes de colocar na mamadeira.
E para finalizar, achei alguns sites dedicados para atacar ou defender o uso do BPA, ambos os lados bastante apaixonados. Os contrários não ponderam a respeito dos baixos níveis liberados e também não falam dos países que se negaram a banir o BPA por falta de evidências. Já os favoráveis não ponderam a respeito dos problemas de se usar animais para avaliar limites para humanos ou os efeitos ainda pouco estudados, mas já com evidências na literatura científica, das baixas dosagens de BPA em seres vivos. Portanto, se você quiser se aprofundar no assunto para ter a sua própria opinião, navegue, leia e atente para a origem dos textos que você leu ou se há conflito de interesse no trato da questão. Sua única defesa para formar uma opinião neste assunto, e em muitos outros, é um bom ensino médio e muito espírito crítico.

Até a próxima!

Leituras para elaborar este texto
  • BISPHENOL A (BPA) - Current state of knowledge and future actions by WHO and FAO da World Health Organization e da Food and Agriculture Organization of the United Nations
  • Joint FAO/WHO expert meeting to reviewtoxicological and health aspects of bisphenol A: final  report, including report of stakeholdermeeting on bisphenol, by WHO and FAO
  • Iain Lang e outros, “Association of urinary bisphenol A concentration with medical disorders and laboratory abnormalities in adults”. JAMA-Journal of the American Medical Association, 2008;300(11):1303-1310
  • Duck Soo Lim e outros, “Potential Risk of Bisphenol a Migration From Polycarbonate Containers After Heating, Boiling, and Microwaving” Journal of Toxicology and Environmental Health - Part A - Current Issues, 2009;72(21-22):1285-1291
  • C Kubwabo, “Migration of bisphenol A from plastic baby bottles, baby bottle liners and reusable polycarbonate drinking bottles”. Food Additives and Contaminants Part A - Chemistry Analysis Control Exposure & Risk Assessment 2009;26(6): 928-937