Nesse primeiro post resolvi falar
de uma coisa que tem permeado as compras para minha filha recém-nascida: o BPA.
Ao comprar mamadeira e chupeta prá Lia eu encontrei a denominação “BPA free” (livre de BPA) e a atendente
indicou que era importante escolher esses. Bom, acreditei, comprei as tais, e
fui pesquisar o problema do BPA.
Antes de tudo, uma introduçãozinha:
BPA é o bisfenol-A e o P da sigla vem do inglês bisphenol-A. Este composto é parte integrante do policarbonato e
das resinas epoxi e o problema é que sem o BPA a indústria tem muitas
dificuldades de chegar a um produto final com as mesmas características, apesar
de algumas tentativas, como o copoliéster Tritan, que ainda devem conquistar
mercado (e serem avaliados quanto à sua segurança também...).
Importante lembrar que
dificilmente nos livraremos do BPA no nosso cotidiano atual, pois ele está
presente nos alimentos enlatados (a resina que cobre a parte interna das latas
para evitar contato do alimento com o metal), em equipamentos médicos para diálise,
no CD que você escuta, no DVD que você assiste e no celular que você usa como
máquina fotográfica, navegador de Internet e até para falar com outras pessoas.
Na literatura científica alguns
estudos foram feitos e ainda há polêmica sobre os reais efeitos da quantidade
do bisfenol liberado pelas garrafinhas de policarbonato nos seres humanos. O
limite europeu para a migração de BPA a partir de embalagens ou recipientes
como a mamadeira é de 600 ppb (“ppb” quer
dizer partes por bilhão, ou seja, 600 ppb significa, por exemplo, 600 gramas em
um bilhão de gramas, o mesmo que 600 gramas em mil toneladas). Encontrei alguns
trabalhos da área de química e de materiais poliméricos analisando a migração
do BPA a partir das mamadeiras e os resultados foram muito semelhantes entre
si: apesar dos valores de bisfenol-A residual nas garrafinhas chegar a até 3000
ppb, o nível de BPA que é liberado para o alimento é muito abaixo do limite
estabelecido. Ou seja, há muito BPA livre nas mamadeiras, mas ele migra muito
pouco para o líquido (se você quiser ler os textos em inglês para se aprofundar,
atente que “BPA free” quer dizer
“livre de BPA” e “free BPA” quer
dizer “BPA livre”, ou seja, livre para migrar para fora da mamadeira).
Apesar destes resultados, de viés
químico, há outros estudos da área de saúde que questionam o limite de 600 ppb,
com dois argumentos principais:
- há efeitos no nosso corpo que
podem ocorrer em altas e em baixas concentrações, sem haver efeito em concentrações
intermediárias. Para quem se interessar pela questão da concentração das
substâncias e seus efeitos, o fenômeno se chama hormese, hormesis em inglês, e também explica fenômenos nos quais há até
efeitos benéficos em baixas doses de substâncias tóxicas, que não é o caso do BPA,
que pode ser maléfico nestas situações.
- animais, e não humanos, são
usados para determinar os níveis mínimos aceitáveis na concentração de BPA, portanto
haveria discrepâncias nos resultados pela sua característica de influenciar nos
processos hormonais que são peculiares.
É por causa destes estudos que o
BPA foi banido das mamadeiras em alguns países, na dúvida fica o dado de que a
diferença entre bebês de até 3 meses que amamentam no peito e bebês que são
obrigados a mamar em mamadeiras de policarbonato é bastante significativo: 0,2
microgramas por quilo de bebê amamentado no peito contra 11 para os bebês
alimentados com leite em mamadeira de policarbonato. Como ainda paira a dúvida
dos efeitos do BPA e os bebês são bastante expostos a esta substância, alguns
países adotam o “better safe than sorry”,
ou seja, melhor prevenir que remediar...
Se você é adepto deste lema tem
algumas coisas que você pode fazer para evitar o BPA. A primeira delas é olhar
na mamadeira aqueles símbolos de reciclagem (um número cercado por três em forma de triângulo) que servem para identificar o
material usado (olhe
neste,
neste ou
neste site). Se for o símbolo com o número 3 (PVC) ou 7
(outros), pode haver uso de bisfenol. Se não houver símbolo nenhum,
tenha cuidado, pois se uma empresa não respeita a norma que obriga a
identificação do material, que é de fácil verificação, quem garante que ela
respeite as regras básicas de higiene e segurança necessárias para fazer a
mamadeira? Outras dicas eu peguei entre as que estão no site do
Department of Health and Human Services dos Estados Unidos:
- amamente por no mínimo 12
meses (quanto menos contato com a mamadeira e quanto mais contato com o peito,
melhor),
- descarte mamadeiras com
arranhões, pois elas liberam mais BPA (não está muito claro para mim porque os
arranhões ajudariam a liberar o BPA residual da mamadeira, mas se eles recomendam...),
- não colocar a mamadeira em
contato com líquidos quentes (faz todo sentido, uma vez que com a maior
temperatura há maior movimento de qualquer substância dentro da massa
polimérica, aumentando a velocidade de migração do BPA de dentro prá fora).
Esta recomendação é um tanto difícil porque costuma-se colocar a água fervendo
e o leite em pó à mamadeira para preparar a mistura, mas basta fazer isto em um
frasco de vidro esterilizado e esperar resfriar antes de colocar na mamadeira.
E para finalizar, achei alguns
sites dedicados para atacar ou defender o uso do BPA, ambos os lados bastante
apaixonados. Os contrários não ponderam a respeito dos baixos níveis liberados
e também não falam dos países que se negaram a banir o BPA por falta de
evidências. Já os favoráveis não ponderam a respeito dos problemas de se usar
animais para avaliar limites para humanos ou os efeitos ainda pouco estudados,
mas já com evidências na literatura científica, das baixas dosagens de BPA em
seres vivos. Portanto, se você quiser se aprofundar no assunto para ter a sua
própria opinião, navegue, leia e atente para a origem dos textos que você leu ou
se há conflito de interesse no trato da questão. Sua única defesa para formar
uma opinião neste assunto, e em muitos outros, é um bom ensino médio e muito espírito
crítico.
Até a próxima!
Leituras para elaborar este texto
- BISPHENOL A (BPA) - Current state of knowledge
and future actions by WHO and FAO da World Health Organization e da Food and
Agriculture Organization of the United Nations
- Joint FAO/WHO expert meeting to reviewtoxicological and health aspects of bisphenol A: final report, including report of stakeholdermeeting on bisphenol, by WHO and FAO
- Iain Lang e outros, “Association of urinary
bisphenol A concentration with medical disorders and laboratory abnormalities
in adults”. JAMA-Journal of the American Medical Association, 2008;300(11):1303-1310
- Duck Soo Lim e outros, “Potential Risk of
Bisphenol a Migration From Polycarbonate Containers After Heating, Boiling, and
Microwaving” Journal of Toxicology and Environmental Health - Part A - Current
Issues, 2009;72(21-22):1285-1291
- C Kubwabo, “Migration of bisphenol A from
plastic baby bottles, baby bottle liners and reusable polycarbonate drinking
bottles”. Food Additives and Contaminants Part A - Chemistry Analysis Control
Exposure & Risk Assessment 2009;26(6): 928-937