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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A flatulência e a convivência em aviões (ou a química do peido)


Hoje saiu no caderno de Turismo da Folha de S. Paulo um conjunto de matérias sobre comida de avião. Em uma das matérias, intitulada “Baixa pressão na cabine agrava problemas de saúde”, foi abordado um assunto que é também abordado em vestibulares e tem muitas aplicações no nosso cotidiano: o comportamento de gases. A repórter Marina Della Valle expõe na matéria que o fato de o avião ser pressurizado não significa que a pressão dentro do avião seja igual à que estamos acostumados, pelo menos não a maioria. Há situações em que o avião está muito alto e que a pressão atmosférica é equivalente à de La Paz, Bolívia, onde a pressão atmosférica é quase 2/3 da pressão ao nível do mar. Por causa dessa característica, há mais dificuldade para respirar, pois há menos oxigênio ocupando o espaço do nosso pulmão e fica mais difícil praticar esportes se você não está acostumado, daí a FIFA encrencar com os jogos em La Paz. (As pessoas que moram nesta altitude não tem problemas com o ar rarefeito porque o corpo humano se adapta produzindo mais hemoglobinas, assim a troca de gás que ocorre no pulmão, com o gás carbônico (CO2) saindo e o oxigênio (O2) entrando, ocorre com mais eficiência, possibilitando viver bem com menos oxigênio no ar.)

Hemoglobina liberando CO2 e capturando O2
 
O tempo de um vôo não é suficiente para esta adaptação e algumas pessoas podem sofrer com pressões como esta, além dos problemas que ocorrem com a expansão dos gases. A expansão dos gases ocorre a menores pressões, e isso pode ser visualizado no vídeo abaixo (dos 50 segundos em diante).


 

Nele você consegue ver que quando você coloca uma bexiga em uma situação onde a pressão atmosférica diminui, ela vai aumentar de tamanho, isso porque as moléculas e átomos que compõem o ar ao redor estão em menor quantidade, então vão pressionar menos a bexiga, que também tem moléculas de gás, que acaba expandindo. Imagine que os gases que você tem dentro de si vão se comportar do mesmo jeito que os gases dentro das bexigas no vídeo acima. Os gases no pulmão não nos preocupam porque eles estão diretamente conectados com o exterior pelo nosso nariz, e não vão nos constranger. O problema são os gases que estão contidos dentro de você e que, até então, estavam sob controle: os gases da flatulência. Imagine que eles também vão se expandir, como a bexiga que vimos, e exercer maior pressão para sair. E se você estiver sentado ao lado de uma moça ou um moço atraentes, você pode se constranger e ser obrigado a acusar injustamente o sujeito sentado à frente de vocês. Para evitar esses constrangimentos vamos entender melhor o fenômeno da flatulência.

Texto do original da figura: Illustration of "The demands of the people" during the revolutions of 1848/49. "Vox populi" is sarcastically likened to a fart!

A flatulência acontece naturalmente no nosso corpo a partir da ingestão de polissacarídeos (polímeros feitos de açúcares) que não conseguimos quebrar em açúcares mais simples para possibilitar a sua digestão. Estes polissacarídeos estão contidos em alimentos míticos como o feijão, o repolho e a batata-doce, e em outros aparentemente mais inocentes. A verdade é que não conseguimos fugir de ingerir alimentos com polissacarídeos que não sejam digeridos pelo nosso organismo e provoquem a flatulência (em uma dieta saudável, flatulamos de 10 a 15 vezes por dia!). Inclusive, algumas das fibras solúveis que tanto procuramos nos alimentos para formar o bolo fecal, e acabamos tendo que comprar na farmácia para melhorar a qualidade do tempo que passamos no banheiro, fazem parte dessa categoria de polissacarídeos. Não conseguimos digerir estes polissacarídeos, quebrando-os em pedaços menores, porque não temos a enzima para isto. O problema da flatulência começa um pouco depois do nosso estômago, por onde estes polissacarídeos passaram incólumes. Ao chegar no intestino, esses polissacarídeos que não digerimos encontram a tal da flora intestinal, e alguns microorganismos que são parte dessa flora têm a enzima para quebrar esses polissacarídeos em açúcares mais simples e fazer a sua digestão, transformando-os em energia, CO2 (gás carbônico), água, CH4 (metano) e outras coisinhas. O problema é que a geração desses gases ocorre em um ambiente mais ou menos fechado, que é o nosso intestino, e esses gases fazem pressão prá sair. Se estamos atentos, conseguimos segurar essa pressão a maior parte das vezes, até que consigamos acesso a um lugar onde estes gases podem ser liberados sem prejuízo dos protocolos sociais. Porém, se estamos desatentos e, ainda por cima, em um avião em grande altitude, o risco do vexame é grande! Este é o motivo do porque o estado de ânimo do desconhecido ao seu lado no avião muda sem explicações após aquela sonequinha...

Texto do original da figura: Treason!!! John Bull emits an explosive bout of flatulence at a poster of George III as an outraged William Pitt the Younger ticks him off. Newton's etching was probably a comment on Pitt's threat (realized the following month) to suspend habeas corpus.

Uma última coisa sobre a flatulência é entender porque a flatulência cheira mal. Os gases que citamos acima são todos inodoros e não são responsáveis pelo cheiro desagradável do flato. Poderiamos dizer que a culpa é da má companhia com a qual os gases tiveram que conviver em sua estadia pelo intestino. Assim, precisamos entender porque essa má companhia é mal-cheirosa e a culpa é de uma categoria de substâncias químicas que chamamos de mercaptanas ou tióis. Os tióis são substâncias que contém enxofre na composição química e que apresentam forte odor, mesmo em baixíssimas concentrações. Tióis são muito úteis, por exemplo, para nos alertar da presença dos gases do butijão da cozinha, já que esses gases também são inodoros e por isso são adicionados de um tiol para que saibamos quando há vazamento. A substância responsável pelo cheiro que fica nas nossas mãos após cozinhar com alho também é de um tiol. As proteínas em geral tem substâncias com enxofre que acabam gerando os tióis que fazem a má fama da flatulência.

As informações que vimos nesta postagem podem explicar um pouco de algumas dietas que vemos por aí. A dieta das proteínas, por exemplo, afeta a frequência da flatulência por não permitir a ingestão de carbohidratos (que são polissacarídeos) em quantidade que gere gases que possam exercer pressão suficiente para querer sair do intestino. Porém, a ingestão preferencial e exagerada de proteínas garante que a pessoa que use o banheiro após você não queira ser sua amiga. Já os vegetarianos garantem uma boa frequência de flatos pela abundante ingestão de polissacarídeos, mas ganham pontos na escala social por não terem muito cheiro, desde que sejam capazes de controlar o barulho...



Todas as fotos deste post foram retiradas do Wikimedia Commons.



Leitura feita para a elaboração do texto

Hardee, JR; Montgomery, TM; Jones, WH. Chemistry and flatulence: An introductory enzyme experiment. Journal of Chemical Education, 2000, 77(4):498-500


Sugestão de leitura

Um experimento interessante e simples com o efeito da pressão atmosférica na expansão de gases está no blog “Ciências todo dia!”.

10 comentários:

  1. Walter, esse seu texto está formidável !!!

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  2. Parabéns, Walter ! você sabe mesmo como prender a atenção de alguém para ensinar química... Demais! muito criativo e instrutivo.

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  3. Super didático, adorei! Valeu, "Capai"!

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  4. Parabéns Walter! Bela pesquisa! E como funcionam os remedios anti-gases?

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  5. Eu já passei por esse constrangimento quando fui de avião para a china, é uma verdadeiro inferno, você mal sai do banheiro e senta na poltrona do avião, e em prazo de 2 minutos, seu intestino e o estomago, já estão completamente lotados de gases querendo sair, o que causa uma cólica de deixar qualquer cidadão desorientado, e tinha uma francesa na poltrana da frente que estava com o mesmo problema que eu, ninguém merece!

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  6. VEJA ESTE BELO VÍDEO, O DE PEIDO MUSICAL DE NATAL:

    http://www.youtube.com/watch?v=fpjCixdhXfw

    OBRIGADO!

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  7. O SOM DOS PEIDOS TAMBÉM É VARIADO... TEM PEIDOS COM SOM DE MOTOCICLETA, COM SOM DE MOTOR DE VEMAG, COM SOM DE METRALHADORA, COM SOM DE MOTOR DE FUSCA, COM SOM DE TUBA, DE VIOLINO, DE CONTRABAIXO, ETC.

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