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domingo, 22 de janeiro de 2012

Aventuras de um pai nerd 1: Mamadeiras, bebês e bisfenóis


Nesse primeiro post resolvi falar de uma coisa que tem permeado as compras para minha filha recém-nascida: o BPA. Ao comprar mamadeira e chupeta prá Lia eu encontrei a denominação “BPA free” (livre de BPA) e a atendente indicou que era importante escolher esses. Bom, acreditei, comprei as tais, e fui pesquisar o problema do BPA.

Antes de tudo, uma introduçãozinha: BPA é o bisfenol-A e o P da sigla vem do inglês bisphenol-A. Este composto é parte integrante do policarbonato e das resinas epoxi e o problema é que sem o BPA a indústria tem muitas dificuldades de chegar a um produto final com as mesmas características, apesar de algumas tentativas, como o copoliéster Tritan, que ainda devem conquistar mercado (e serem avaliados quanto à sua segurança também...).

Importante lembrar que dificilmente nos livraremos do BPA no nosso cotidiano atual, pois ele está presente nos alimentos enlatados (a resina que cobre a parte interna das latas para evitar contato do alimento com o metal), em equipamentos médicos para diálise, no CD que você escuta, no DVD que você assiste e no celular que você usa como máquina fotográfica, navegador de Internet e até para falar com outras pessoas.

Na literatura científica alguns estudos foram feitos e ainda há polêmica sobre os reais efeitos da quantidade do bisfenol liberado pelas garrafinhas de policarbonato nos seres humanos. O limite europeu para a migração de BPA a partir de embalagens ou recipientes como a mamadeira é de 600 ppb (“ppb” quer dizer partes por bilhão, ou seja, 600 ppb significa, por exemplo, 600 gramas em um bilhão de gramas, o mesmo que 600 gramas em mil toneladas). Encontrei alguns trabalhos da área de química e de materiais poliméricos analisando a migração do BPA a partir das mamadeiras e os resultados foram muito semelhantes entre si: apesar dos valores de bisfenol-A residual nas garrafinhas chegar a até 3000 ppb, o nível de BPA que é liberado para o alimento é muito abaixo do limite estabelecido. Ou seja, há muito BPA livre nas mamadeiras, mas ele migra muito pouco para o líquido (se você quiser ler os textos em inglês para se aprofundar, atente que “BPA free” quer dizer “livre de BPA” e “free BPA” quer dizer “BPA livre”, ou seja, livre para migrar para fora da mamadeira).

Apesar destes resultados, de viés químico, há outros estudos da área de saúde que questionam o limite de 600 ppb, com dois argumentos principais:
- há efeitos no nosso corpo que podem ocorrer em altas e em baixas concentrações, sem haver efeito em concentrações intermediárias. Para quem se interessar pela questão da concentração das substâncias e seus efeitos, o fenômeno se chama hormese, hormesis em inglês, e também explica fenômenos nos quais há até efeitos benéficos em baixas doses de substâncias tóxicas, que não é o caso do BPA, que pode ser maléfico nestas situações.
- animais, e não humanos, são usados para determinar os níveis mínimos aceitáveis na concentração de BPA, portanto haveria discrepâncias nos resultados pela sua característica de influenciar nos processos hormonais que são peculiares.

É por causa destes estudos que o BPA foi banido das mamadeiras em alguns países, na dúvida fica o dado de que a diferença entre bebês de até 3 meses que amamentam no peito e bebês que são obrigados a mamar em mamadeiras de policarbonato é bastante significativo: 0,2 microgramas por quilo de bebê amamentado no peito contra 11 para os bebês alimentados com leite em mamadeira de policarbonato. Como ainda paira a dúvida dos efeitos do BPA e os bebês são bastante expostos a esta substância, alguns países adotam o “better safe than sorry”, ou seja, melhor prevenir que remediar...

Se você é adepto deste lema tem algumas coisas que você pode fazer para evitar o BPA. A primeira delas é olhar na mamadeira aqueles símbolos de reciclagem (um número  cercado por três em forma de triângulo) que servem para identificar o material usado (olhe neste, neste ou neste site). Se for o símbolo com o número 3 (PVC) ou 7 (outros), pode haver uso de bisfenol. Se não houver símbolo nenhum, tenha cuidado, pois se uma empresa não respeita a norma que obriga a identificação do material, que é de fácil verificação, quem garante que ela respeite as regras básicas de higiene e segurança necessárias para fazer a mamadeira? Outras dicas eu peguei entre as que estão no site do Department of Health and Human Services dos Estados Unidos:
  • amamente por no mínimo 12 meses (quanto menos contato com a mamadeira e quanto mais contato com o peito, melhor),
  • descarte mamadeiras com arranhões, pois elas liberam mais BPA (não está muito claro para mim porque os arranhões ajudariam a liberar o BPA residual da mamadeira, mas se eles recomendam...),
  • não colocar a mamadeira em contato com líquidos quentes (faz todo sentido, uma vez que com a maior temperatura há maior movimento de qualquer substância dentro da massa polimérica, aumentando a velocidade de migração do BPA de dentro prá fora). Esta recomendação é um tanto difícil porque costuma-se colocar a água fervendo e o leite em pó à mamadeira para preparar a mistura, mas basta fazer isto em um frasco de vidro esterilizado e esperar resfriar antes de colocar na mamadeira.
E para finalizar, achei alguns sites dedicados para atacar ou defender o uso do BPA, ambos os lados bastante apaixonados. Os contrários não ponderam a respeito dos baixos níveis liberados e também não falam dos países que se negaram a banir o BPA por falta de evidências. Já os favoráveis não ponderam a respeito dos problemas de se usar animais para avaliar limites para humanos ou os efeitos ainda pouco estudados, mas já com evidências na literatura científica, das baixas dosagens de BPA em seres vivos. Portanto, se você quiser se aprofundar no assunto para ter a sua própria opinião, navegue, leia e atente para a origem dos textos que você leu ou se há conflito de interesse no trato da questão. Sua única defesa para formar uma opinião neste assunto, e em muitos outros, é um bom ensino médio e muito espírito crítico.

Até a próxima!

Leituras para elaborar este texto
  • BISPHENOL A (BPA) - Current state of knowledge and future actions by WHO and FAO da World Health Organization e da Food and Agriculture Organization of the United Nations
  • Joint FAO/WHO expert meeting to reviewtoxicological and health aspects of bisphenol A: final  report, including report of stakeholdermeeting on bisphenol, by WHO and FAO
  • Iain Lang e outros, “Association of urinary bisphenol A concentration with medical disorders and laboratory abnormalities in adults”. JAMA-Journal of the American Medical Association, 2008;300(11):1303-1310
  • Duck Soo Lim e outros, “Potential Risk of Bisphenol a Migration From Polycarbonate Containers After Heating, Boiling, and Microwaving” Journal of Toxicology and Environmental Health - Part A - Current Issues, 2009;72(21-22):1285-1291
  • C Kubwabo, “Migration of bisphenol A from plastic baby bottles, baby bottle liners and reusable polycarbonate drinking bottles”. Food Additives and Contaminants Part A - Chemistry Analysis Control Exposure & Risk Assessment 2009;26(6): 928-937

5 comentários:

  1. Oi Walter!!
    Muito bom tocar no assunto!
    trabalhei por 7 anos na industria de embalagens plásticas, e como os maiores clientes eram Coca-Cola e Ambev havia essa recomendação de fabricarmos as embalagens com material livre de BPA. Além do BPA acho importante frisar que Diarilida e metais pesados também devem estar fora da formulação de tudo o que entra em contato com alimentos e brinquedos de crianças. O BPA na mamadeira foi levantado principalmente porque a mamadeira entra em contato com líquido quente, o que favorece a migração do BPA, como você explicou.
    Agora, deixando um pouco de lado a parte comercial e química da coisa, você sabe que tenho 3 filhos.Só a minha filha mais velha (tem 13 anos) usou mamadeira (eu era muito nova, muuuuuuito desinformada e totalmente influenciável). Criança que mama no peito não precisa de mamadeira ou chupeta. No meu 2o filho e na minha terceirinha, aboli esses itens do enxoval. Desde que começaram a beber o suquinho, dou em copo de vidro mesmo (plástico é péssimoooo. Depois que trabalhei na industria plástica aboli quase que totalmente esse item na minha vida, especialmente nos utensilios que entram em contato com alimento. Vocês não tem idéia do que vem de matéria prima da china, totalmente sem procedencia). Se quiserem dicas de como introduzir o copo quando começar a dar outros alimentos que não o leite materno para sua bebê, me avise. Um abraço e parabéns pelo post!
    Gisele Leal

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    1. Oi Gisele, valeu a dica e os comentários! Vou atrás de saber mais sobre a diarilida. Quando a Lia começar com os suquinhos, vou falar contigo sobre os vidros.
      Abração!

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  2. Oi Walter parabéns pelo Blog, muitíssimo interessante. E como não poderia deixar de ser, a criatividade do título foi fantástica. Travo com outros colegas químicos altas discussões sobre os BPA e outros compostos dos plásticos a cada parada para o cafézinho. Realmente é mto difícil chegar a um consenso, e sempre existem vários lados da história (inclusive sobre o próprio cafézinho). Mas e legal é levantar o assunto trazer dados, literatura. Parabéns novamente e um grande abraço. Fábio Binhão

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